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Festival de Berlim | Musical filipino pode coroar Lav Diaz com o prêmio de direção

Parte substancial da plateia debandou diante da ópera rock Season of the Devil no evento

21.02.2018, às 10H45.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Imagine gastar quatro horas diante de um musical filipino em preto e branco, de planos estáticos longuíssimos, que dispensa instrumentos (cordas, sopros, percussões), apostando em cânticos sobre o processo da violência militar na Ásia dos anos 1970. Essa foi a experiência pela qual o Festival de Berlim passou na terça-feira (20) com Season of the Devil.

O diretor responsável por essa maratona (insuportável para muitos que abandonaram a sala de projeção com 20 minutos de filme; reveladoras para os que resistiram até o fim) é Lav Diaz. Ele foi laureado na capital alemã em 2016 por A Lullaby to the Sorrowful Mystery com o Troféu Alfred Bauer, que coroa invenção de linguagem). No mesmo ano, papou o Leão de Ouro de Veneza por A Mulher Que Se Foi. Ganhar prêmios é algo fácil para este cineasta de 59 anos, pelo misto de exotismo e ousadia de seus experimentos com o Tempo. Fala-se dele como um potencial ganhador do prêmio de direção na 68º edição do festival.

Seu novo trabalho, longuíssimo como lhe é peculiar, é uma ópera rock sobre a opressão das milícias nas selvas das Filipinas. Mulheres narram em forma de canto a memória do que os milicianos fizeram com os grupos de opositores.

"Existe muito silêncio acerca do que se passou nas selvas das Filipinas, primeiro nos tempos da colonização espanhola, depois nos conflitos armados das lideranças militares que oprimiam a liberdade. Meus filmes duram muito porque temos muito a expurgar", afirmou o cineasta em um papo com o Omelete. "Eu faço um cinema barato, apoiado por produtores europeus interessados em colocar outras visões da Ásia nas telas. Não posso perder essa oportunidade que tenho de fazer um cinema que gere pensamento, que nos liberte das convenções".

No bonde asiático que já tentou a sorte pela Berlinale este ano, o país que mais se destacou, além das Filipinas de Lav, foi a Coreia do Sul, com dois de seus mais controversos diretores. Onipresente nos grandes festivais de cinema do mundo, Hong Sangsoo (Você e os Seus) testou os limites de sua estética palavrosa e glutona em Grass, mais uma narrativa filosófica com a atriz Kim Minhee. Aqui, uma jovem acusa um rapaz de ser o culpado pelo suicídio da irmã dela. A acusação é deixa para uma conversação sobre banalidade essenciais ao vazio da vida. Já Kim Ki-Duk (Pietà) apostou na denúncia da intolerância em Human, Space, Time and Human, narrando os conflitos de um grupo de passageiros de um navio que reúne variados tipos e classes sociais (gângsters, garotas de programa, políticos).

Uma empreitada pop da China com a indústria de Hong Kong também causou barulho aqui: Monster Hunt 2, sequência da superprodução de 2015 cujo faturamento em seu país de origem beirou US$ 385 milhões. Na continuação, um monstrinho chamado Wuba conta com a ajuda de um trambiqueiro (Tony Leung, de Amor à Flor da Pele) para escapar de caçadores de criaturas mágicas. Calcadas em lutas de espada que desafiam a gravidade, as sequências de ação filmadas pelo diretor Raman Hui injetaram adrenalina nas veias de Berlim, sem embotar a linha cômica da franquia - hoje uma das mais rentáveis do mundo.

No boca a boca das ruas e da Berlinale Palast, o filme em disputa pelo Urso de Ouro que mais agradou a cidade foi Don’t Worry, He Won’t Get Far On Foot, que põe Gus Van Sant (diretor americano aclamado nos anos 1990 por Gênio Indomável e premiado em Cannes em 2003 com a Palma de Ouro pelo experimentalismo de Elefante) de volta à ribalta dos grandes realizadores. O fracasso de seu longa anterior, o drama See of Trees, vaiado na Croisette em 2015, foi redimido por este novo trabalho, com Joaquin Phoenix no papel do cartunista paraplégico John Callahan, uma lenda do humor gráfico nos EUA. As revistas especializadas, como a Screen e a The Hollywood Reporter, põem no topo de suas apostas para prêmios o (irregular) filme russo Dovlatov, de Alexey German Jr., o febril horror norueguês U-July 22, de Erik Poppe; e o paraguaio Las Herederas, de Marcelo Martinessi (produzido pela diretora carioca Julia Murat).

Nesta quarta-feira (21), a Berlinale promove uma projeção extra de uma animação hispano-americana para adultos que arrancou elogios por todos os lados por aqui: Vírus Tropical, da Colômbia. Esse desenho animado do diretor estreante Santiago Caicedo é baseado na HQ homônima e autobiográfica da cartunista Powerpaola, sobre uma menina que cresce em Quito, no Equador, em meio a um caos depois que o pai, um pastor, abandona sua família. A produção integra a mostra Generation, que exibiu a produção do Rio de Janeiro Unicórnio, de Eduardo Nunes, cuja fotografia de Mauro Pinheiro Jr. foi aclamada em resenhas nas mais variadas línguas. Um dos aspectos mais (bem) comentados desta adaptação da prosa de Hilda Hilst é um trecho animado pelo cineasta de Nilópolis Marão.

O Brasil fez sucesso ainda com uma ficção gaúcha que está com todos os ingressos lotados por aqui: Tinta Bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, sobre um performer da web, chamado Neon Boy, que descobre ter um imitador. Glauco Firpo, fotógrafo do filme, também ganhou elogios dos europeus por sua afinada relação com a cor. Na tarde desta quarta, chega à Berlinale o doc O Processo, no qual a diretora Maria Augusta Ramos garimpa detalhes e imagens do impeachment de Dilma Rousseff e dos conflitos democráticos em torno da sucessão presidencial em solo nacional. Há a promessa de um protesto a ser realizado antes da projeção do longa de Maria, feito pelos cineastas e produtores brasileiros aqui presentes, contra o presidente Michel Temer.

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