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Hereditário é um marco do horror ou uma grande piada?

Reação do público nos EUA volta a colocar as expectativas em questão

19.06.2018, às 16H22.

Até hoje a distribuidora A24 já recebeu um total de 24 indicações ao Oscar, é uma máquina nova junto à Academia principalmente depois de Moonlight, mas na percepção do público a A24 é especialista em decepcionar. Três terrores lançados pela companhia independente conseguiram, apesar do aval da crítica, pontuações baixas no índice CinemaScore: A Bruxa, Ao Cair da Noite e agora Hereditário.

Hereditário fez até esta semana quase US$ 30 milhões nos EUA, impulsionado pela boa repercussão na crítica desde suas primeiras exibições no Festival de Sundance. O filme de US$ 10 milhões é o maior sucesso de abertura da A24 entre seus terrores, mas o público deu ao filme uma média de D+ numa escala de A a F. É sintomático: se o filme tem pretensões "artísticas" e uma pegada mais lenta, marcada pela economia na entrega de sustos e sangueiras, como já havia acontecido desde A Bruxa, então o público reage com descontentamento no CinemaScore.

Trata-se primeiro, compreensivelmente, de uma questão de expectativa: o público conhece as regras do terror tradicional e se deixa conduzir por elas, como o sobe-som que prenuncia uma cena de susto, e as quebras nessa expectativa pedem que se estabeleça, então, outra dinâmica com o espectador. A questão é o que substitui a dinâmica tradicional. A Bruxa realmente havia feito uma escolha pelo terror de sugestão, e na hora de entregar o horror prometido, a catarse, essa entrega saiu tímida. O caso de Hereditário é diferente porque o filme de estreia de Ari Aster abraça várias situações tradicionais do horror, tanto nos sustos quanto no gore - e no fim não tem nada de tímido nas escolhas que faz.

Sobre essas escolhas, entraremos mais em detalhes na crítica do filme, mas talvez Hereditário esteja criando uma quebra na expectativa do público porque Aster frequentemente adota o farsesco como norma. Se muitas cenas saem risíveis, é porque elas realmente se prestam ao ridículo: nos jantares, no perfil caricato dos personagens, na reação atônita dos personagens aos absurdos que lhes sucedem. Hereditário não é exatamente um "terrir", como Pânico, mas Aster se assemelha a Wes Craven na sua postura de comentarista do gênero - e essa metanarrativa pode ser um dos elementos que alienam o público tradicional.

Outra questão a considerar é a própria forma como Aster se manifesta quando fala de seu filme, "uma tragédia familiar transformada em pesadelo", diz. O diretor estreante adota uma postura que não é nova mas que tem se repetido com frequência nesta época do chamado "pós-horror": renegar as receitas do cinema de gênero porque elas seriam uma amarra criativa, e reivindicar para si uma autoria que estaria acima das trivialidades dos sustos, da sangueira. Se o próprio diretor não quer que seu filme seja visto como um horror, então como ganhar o público - que foi convencido pelo marketing e pela repercussão de que Hereditário é um novo marco do horror - sem decepcioná-lo?

Hereditário estreia nesta quinta no Brasil.

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