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Máquinas Mortais | Visitamos o set da grandiosa produção steampunk de Peter Jackson

A essência steampunk é apenas o começo da salada de referências da adaptação

15.06.2018, às 12H57.

No futuro, Kevin e Stuart, os minions de Meu Malvado Favorito, viraram deuses. Pelo menos é o que diz a legenda da exposição dentro do Museu de História Natural em Máquinas Mortais (Mortal Engines): "Divindades da América Perdida". A trama do filme produzido por Peter Jackson com base no livro de Philip Reeve se passa séculos depois que a chamada Guerra dos 60 Minutos acabou com o mundo como o conhecemos hoje. No museu, as pessoas do futuro olham com curiosidade para a vida que levamos em 2018.

Tudo o que entendemos como nosso contemporâneo - monitores, celulares, logotipos comerciais - é tratado como museulogia no filme, cujos sets foram abertos na Nova Zelândia no ano passado para uma visita a que o Omelete teve acesso. Máquinas Mortais ocupa os galpões onde foram rodados O Senhor dos Anéis, King Kong e O Hobbit. O museu é um dos cenários criados fisicamente. No futuro, não há mais livros, e as bibliotecas viraram átrios. Um arco de McDonalds velho suspenso na parede chama a atenção dentro do museu, onde vive o protagonista Tom Natsworthy (Robert Sheehan), aprendiz de historiador, em meio a áreas temáticas como "história natural", "tecnologia antiga", "armas e guerra".

A ideia de Máquinas Mortais é imaginar um futuro pós-nuclear em que os humanos agora sobrevivem através de um sistema de "darwinismo municipal", em que as cidades são máquinas gigantes que precisam consumir umas às outras para sobreviver. As cidades transitam em grandes planícies devastadas (montanhas não são cenários no filme), e o material mais precioso no mundo é a madeira. Minerais como ferro ainda são encontrados no meio-ambiente, e a ferrugem pontua o cenário - além das marcas das rodas das cidades.

O escopo é gigante, e Máquinas Mortais tem o tamanho de um A Bússola de Ouro, em termos de escala e proporções desse universo ficcional. Aliás, Deborah Forte, produtora daquele filme para a New Line Cinema (que havia produzido OSdA), foi quem comprou os direitos de Mortal Engines para Peter Jackson. Se o cineasta não tivesse realizado O Hobbit, Mortal Engines seria seu próximo filme. Como os direitos poderiam expirar e hoje Jackson tem outros interesses paralelos, o projeto sobrou para Christian Rivers, o especialista em efeitos que levou o Oscar por King Kong, e que faz aqui sua estreia como diretor de longas.

No total são 10 estúdios de som em Wellington (mais uma área externa com fundo verde), muitos deles ocupados por oficinas que criam cenários e objetos com rapidez desconcertante de quatro ou cinco dias - ruas, becos das cidades fictícias, naves em partes ou inteiras. Máquinas Mortais é o primeiro filme a ocupar o espaço desde as filmagens de Ghost in the Shell, então não há tanta pressa em desocupar tudo; segundo a produção, a ideia é que esses galpões sediem apenas um filme por ano em Wellington. O principal empecilho é que o aeroporto fica bem próximo: um funcionário da produção fica de vigia num morro, com um rádio, avisando sempre que há pouso ou decolagem na pista vizinha.

Dez anos depois, menos steampunk

Foram construídas fisicamente áreas de Londres (meio quarteirão) e Salzhaken (a cidade mineradora de sal que é devorada por Londres no começo da história, e que se chama Salthook no livro e é "essencialmente a Alemanha"). Partes de outras oito cidades foram feitas apenas digitalmente. Além disso, o filme tem cidades que não estão no livro, como Shangau (inspirada em Xangai). "Pegamos as cidades que existem hoje e conservamos as suas identidades", diz o desenhista de produção Dan Hennah. O trading cluster, por exemplo, um ponto de encontros mercantil, é uma cidade-bazar com um visual próximo das obras de Antoni Gaudí em Barcelona.

O cenário mais enferrujado é o de Rustwater, que tem cara de Waterworld e foi construído na área externa do complexo, com um fundo verde. Já o elemento da muralha, que pode lembrar Game of Thrones para o público, está presente no filme e é importante na trama; Shangau, por exemplo, fica além da muralha e prospera em um ambiente florido e preservado.

Os conceitos começaram em 2008, e naquela época o visual do filme seria bem mais steampunk. "Todo mundo usa steampunk para descrever algo que não entende. Nós acabamos criando algo a mais, fomos além", diz Hennah. As cidades são como o Castelo Animado de Hayao Miyazaki, com um aspecto industrial bastante forte, especificamente Londres, e que se movem sobre rodas e esteiras como tanques de guerra. "A propulsão é a vapor, com pistões, e vemos os motores em certo momento, mas não vemos as coisas funcionando a vapor propriamente [como no steampunk clássico]", diz Hennah.

"Ajuda muito sair e voltar a um filme. Você pode escolher rumos diferentes", comenta o desenhista sobre os anos de desenvolvimento. "Quando trabalhei em O Senhor dos Anéis e O Hobbit, eu já era um apaixonado pelo tema, e era mais fácil. Já nesta adaptação é mais desafiador. Usamos a computação gráfica para tornar tudo épico e vasto, mas os cenários são reais. O CGI serve para abrir o fundo e o horizonte. Em termos de proporção entre cenários reais e CGI, este filme está bem próximo de O Senhor dos Anéis." Um único personagem de destaque foi criado digitalmente com captura de movimento: o ciborgue assassino Shrike (Stephen Lang), que parece uma sucata do T-800 pistoleiro morto-vivo. Ele tem um esqueleto todo de metal, olhos de luz verde, fundos, sem glóbulos. Careca, com pedaços de ferro na cabeça, chama atenção pelos olhos sinistros e pelos dentes humanos dentro de uma boca com lábios mecânicos. Cabos cobertos e pouca pele apodrecida marcam pescoço, braços e torso, e assim como no livro ele parece bem mais alto que um humano normal.

Ficção científica B old school

Londres tem 800 metros de altura no filme. Como visto no trailer, a cidade abre uma "boca" quando vai devorar uma cidade menor: um hangar que se abre para permitir que a cidade coma sem parar de se mover. Além do aspecto industrial, a ferrugem também se faz bastante presente: nas naves, ela se confunde com latarias douradas arredondadas. As cidades possuem estações de combate mas elas são como bairros sobre rodas, com telhados, chaminés e silos, e sua infraestrutura de tubos fica à mostra.

Outra cidade do filme, Airhaven, se parece com as cidades sobre árvores de filmes de fantasia: com muitas tendas, panos, cordas, bandeirolas. É uma mistura de mercado árabe e convés de barco a vela. Jenny Haniver, a nave-balão da guerreira Anna Fang (a atriz e cantora sul-coreana Jihae), é bem alaranjada, com velas e asas enormes meio translúcidas, um 14-Bis com duas turbinas laterais baseado em dirigíveis antigos no estilo Zepelim. "Ela foi o maior desafio de construir fisicamente, porque colocamos a nave numa plataforma e para chacoalhá-la foi um custo", diz Hennah.

As ruas de Londres parecem um Blade Runner vitoriano, com fachadas que parecem atuais mas iluminadas de um jeito futurista (não com neon, mas com luzes no chão e nos postes que parecem só fachos, sem vidro). O bonde de transporte dentro de Londres tem as cores de um double decker tradicional, com a lataria vermelha, corrimãos amarelos, portas mecânicas velhas, poltronas de couro, mas o formato arredondado do bonde parece mais uma cabine futurista da London Eye. Os bondes têm numeração e itinerário. A cidade se organiza verticalmente de uma forma clara, com estratos, e no topo a Clio House (onde vive Valentine, interpretado por Hugo Weaving) é acompanhada de jardins e da cúpula da catedral de St. Paul.

Dentro da catedral de St. Paul fica um dos cenários mais importantes do filme, que foi construído no set, e é uma vista gigantesca imponente: o coração da Medusa, a arma controla por uma inteligência artificial que havia sido usada pelo império americano na Guerra dos 60 Minutos. Entrar na sala da Medusa é como pisar dentro de um filme de ficção científica B: tubos gigantescos alimentam o núcleo da máquina, como um coração artificial mesmo. Oito desses tubos enormes atravessam a catedral toda até a Medusa, que é adornada com lustres de lâmpadas de bulbo do tamanho de uma cabeça humana. No centro da máquina, um luminoso meio caleidoscópico muda de cor com lampadinhas de LED - o resultado parece bem scifi old school.

A impressão deixada pela visita ao set na Nova Zelândia é que Máquinas Mortais dialoga com uma certa tradição do steampunk, em termos de design, e se aproxima de games como BioShock, mas seu espírito não é sério demais em termos de conceitos e referências. O longa parece bem mais próximo de uma aventura de ficção científica despojada, que bebe em fontes diversas (faroeste, animes, melodramas de classe). Aliás, a questão do melodrama está presente na dinâmica de personagens, e aproxima Máquinas Mortais de filmes como Titanic - mas isso é assunto para outro artigo...

"Aprendemos com os nossos erros", diz Peter Jackson

O filme tem no elenco Hugo Weaving (O Senhor dos Anéis, Matrix), Robert Sheehan (Fortitude), Colin Salmon (Limitless), Hera Hilmar (Anna Karenina), Ronan Raftery (Animais Fantásticos e Onde Habitam) e Stephen Lang (Avatar),  entre outros.

Máquinas Mortais | Trailer

A adaptação chega aos cinemas em 14 de dezembro.

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