Filmes

Entrevista

"O filme de amor se contrapõe a esse ódio que nos rodeia", diz diretora de Paraíso Perdido

Filme de Monique Gardenberg chega aos cinemas esta semana

30.05.2018, às 17H16.
Atualizada em 30.05.2018, ÀS 18H02

Distante dos cinemas há 11 anos, desde que retratou o lado B do carnaval da Bahia em Ó Paí, Ó (2007), Monique Gardenberg volta às telas nesta quinta-feira (31), apoiada no carisma de Erasmo Carlos, em Paraíso Perdido, drama sobre uma família dona de uma boate regada à música brega e muita tensão sexual.

Divulgação

Há um elenco estelar na produção, que põe o Tremendão no papel de José, o chefe de um clã ligado à música. Na trama, Julio Andrade e Hermila Guedes são seus filhos biológicos (Angelo e Eva) e Seu Jorge vive seu filho adotivo (Teylor). O elenco conta ainda com Malu Galli, Lee Taylor, Marjorie Estiano, Humberto Carrão e Jaloo. Na entrevista a seguir, a cineasta baiana, famosa pelo cult Benjamin (2003), fala sobre o papel ético e estético do amor nas telas.

Omelete: Qual é o papel político dos filmes de amor nos dias de hoje?

Monique Gardenberg:  O filme de amor é político porque se contrapõe a esse ódio que nos rodeia. Vai contra a intolerância, a violência, o preconceito. Quando comecei a imaginar esse lugar, esse paraíso perdido no tempo, um microcosmo de afeto e liberdade, queria mesmo uma trégua e oferecê-la ao público o mesmo, nem que fosse apenas pelo tempo que ele durasse. Precisava suspender por alguns instantes a angústia que toma hoje o nosso peito ao ver renascer a censura às artes no nosso país, execuções sumárias de pessoas que apenas lutavam pelo bem comum, quando testemunho manifestações vergonhosamente racistas ou facistas nas redes sociais, ou quando me dou conta de que estamos de novo num estado de exceção. Porque no ato de amar está implícito o respeito pelo outro, a aceitação, a justiça.

Omelete: Como foi a concepção da luz na fotografia de Pedro Farkas?

Monique Gardenberg:  Trabalhamos com a ideia de que dentro do Paraíso Perdido o tom seria onírico, quente, cheio de cores, enquanto o lado de fora seria frio. Além disso, Pedro trouxe a ideia do contraluz como elemento a potencializar o encanto daquele lugar. Outra certeza era a de que deveríamos ter muitas fontes de luz em cena, criando camadas, texturas diferentes num mesmo ambiente. E a câmera penetraria naquele ambiente fabular que espectador descobriria guiado quase sempre pelo personagem do forasteiro Odair.

Omelete: Que tabus sexuais ainda existem na construção do amor livre, um dos temas do filme?

Monique Gardenberg:  Muitos, né? Uma quantidade infinda de famílias está tendo que lidar com isso na marra, porque as gerações mais novas já desabrocham de forma diferente. Hoje, vejo filhos de amigos meus, com 18, 19 anos, que vivem o amor livre. Acho que a ideia do “ficar” já era um prenuncio disso. E a naturalidade com que flutuam de um desejo hétero para um desejo homoerótico é lindo, livre. E nesse contexto, o do amor e liberdade, ainda se coloca a questão do desejo dentro do casamento. Algo que precisa se modificar para que dure forte.

Omelete: De que maneira Paraíso Perdido dialoga com a sua experiência em clipes, vídeos musicais e séries? Há neste filme uma oxigenação mais pop. De onde ela vem?

Monique Gardenberg:  Sinto que essa oxigenação mais pop já existia nas minhas peças, desde a primeira delas, Os Sete Afluentes do Rio Ota. E foi com Ó Paí, Ó que eu, primeiro, imprimi essa minha assinatura no cinema. Agora ela segue comigo, esta assinatura que consegui construir no palco agora migrou para a tela do cinema. E eu me sinto tão completa, olho e penso: essa sou eu. Acho que antes eu tentava ser outros que admirava muito.

Omelete: O que existe do Tremendão na figura de José, o patriarca do Paraíso Perdido que você construiu dirigindo Erasmo Carlos?

Monique Gardenberg:  Somente a carga de vida e de música que ele carrega junto consigo ao viver o José. Quando conheci Erasmo, fiquei surpreendida com a sua vitalidade, inquietação, um jeito muito jovem, de fala leve, alegre. O José era o oposto disso. Um homem assentado e sombrio. Tinham apenas em comum, portanto, a capacidade de amar. Por isso, o trabalho de Erasmo no filme é tão surpreendente, porque ele sai do seu estado natural para viver uma outra persona. Era tão distante dele que me pediu ajuda. Contei a ele a história de Burt Lancaster com Visconti, quando o ator americano fora convocado pelo estúdio americano para viver o protagonista de O Leopardo. Burt Lancaster não tinha ideia de como compor um aristocrata, mas durante a preparação percebeu que poderia se mirar no próprio diretor, Luchino Visconti, para criar Don Frabrizio. Então sugeri ao Erasmo que voltasse a assistir O Leopardo, e observasse Burt Lancaster.

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