Filmes

Entrevista

Soldados do Araguaia | Documentário resgata memórias do movimento de oposição à ditadura no Brasil dos anos 1970

Filme revive traumas dos combatentes

22.03.2018, às 14H44.
Atualizada em 23.03.2018, ÀS 22H07

Apelidada de "Vietnã Brasileiro", por ter mobilizado regiões rurais do Centro Oeste contra o governo militar, nos anos 1970, a Guerrilha do Araguaia gerou traumas psicológicos, sociais e morais em toda uma geração de combatentes. Lançado nesta quinta-feira (22), o filme Soldados do Araguaia, de Belisário Franca (Menino 23), explora os traumas de quem participou do conflito, como vítima ou algoz.

Omelete: Que linha comum liga os homens elencados em Soldados do Araguaia e o que eles representam como censo demográfico do Brasil?

Belisário Franca: Durante a pesquisa nos detivemos em soldados de baixa patente e oriundos da região do Araguaia.Suas famílias viviam de atividade rurais, do extrativismo e da caça. Faziam parte da população ribeirinha da região amazônica. Em comum, eles tinham o contato com a natureza e uma visão idealizada do Exército como uma possibilidade de futuro diferente dos seus familiares.

Qual foi o maior saldo da Guerrilha do Araguaya para nossa noção de Democracia?

Considero difícil fazer esta avaliação, até porque o saldo de um acontecimento não está dado de uma vez por todas e depende, antes, do que cada um de nós e nossa sociedade conseguimos fazer daquele acontecimento. Pelo testemunho dos soldados, podemos ver que a guerrilha do Araguaia foi aterrorizante para todos que estiveram envolvidos. Soldados, população ribeirinha, indígenas e os militantes do PC do B sofreram os horrores de uma guerra que se encontram gravados na memória e nos relatos.

Qual foi o saldo do conflito?

Passadas décadas do conflito, porém, vivemos ainda um tempo em que muitos alimentam a ideia de que "o melhor para a sociedade é dirigir o olhar para o futuro", fazendo do silêncio sobre o passado, uma norma e quase uma obrigação. Essa postura hipoteca os nossos destinos no barco furado das versões edulcoradas da realidade brasileira. E, no entanto, constatamos todo dia, que o Brasil que saiu da ditadura à toda, na direção do "pra frente Brasil" , sem que o tempo de violações tenha sido suficientemente elaborado, se encontra hoje, mais do que nunca, entre os países que mantêm os níveis de violência mais altos e aberrantes. Fazer a escolha de negar sistematicamente o racismo, a expoliação, o machismo, o extermínio das populações indígenas, e as variadas formas de violência que praticamos enquanto nação, permite a perpetuação dessas práticas e, se não impede, ao menos desafia diariamente, nossa democracia. Resta, no entanto, a cada um, e à nação, a tarefa de produzir algum saldo, de fazer valer o real – por mais terrível e complexo - que está implicado nos acontecimentos e impasses de nossa história remota ou recente.

Sua obra sempre primou pela diversidade, porém percebe-se agora um rasgo recorrente de interesse pela questão da intolerância e pela opressão. Essa dimensão é clara já para você? Como? Qual é o norte do seu cinema hoje?

Mais do que a intolerância, tenho me interessado pelo silenciamento das histórias do Brasil. Ando desconfiado “do país do futuro”. Uma sociedade que produz historicamente e ativamente amnésia de suas práticas violentas e que não entra em contato com esse traço ,tem poucas chances de virar o jogo para uma sociedade mais justa.

O cinema pode pouco para transformar uma sociedade. Mas o pouco que pode, me interessa.

Tenho procurado jogar luz sobre essas histórias silenciadas num esforço de me conectar com o tempo presente.

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