Filmes

Entrevista

Terror japonês leva ETs e fantasmas ao Festival de Berlim, desafiando a tônica política do evento

Mestre asiático do gênero, Kiyoshi Kurosawa discute o teor político do medo em Yocho

21.02.2018, às 13H26.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Dono de uma das mais prolíficas filmografias do Japão na atualidade, reconhecido lá e em toda a Europa como um dos maiores mestres do terror nas telas, Kiyoshi Kurosawa (Pulse) anda feliz com o espaço que seu gênero de trabalho e do coração anda conquistando em festivais como a Berlinale, onde acaba de lançar Yocho.

Divulgação

Seu novo trabalho, tenso do começo ao fim de seus 140 minutos, foi rodado em apenas três semanas, tendo cults como Vampiros de Almas (1956) como referência para uma narrativa capaz de juntar fantasmas e ETs. O resultado dessa combinação é uma mistura de Invasores de Corpos (1978) com Os Outros (2001), envolvendo um casal num pleno de conquista da Terra por aliens.

Na entrevista a seguir, o cineasta de 62 anos, conhecido no Brasil por sucessos como Creepy (2016), faz um balanço das novas práticas de causar assombro em terras nipônicas.

Omelete: Exibido na Berlinale na mostra Panorama, Yocho foi idealizado como série de TV, com o título internacional de Forebonding, e dá seguimento à trama de um filme anterior seu, Before We Vanish (2017). Quais foram as novas perspectivas que o senhor buscou aqui para o filão “ETs invadem a Terra”?
Kiyoshi Kurosawa: Tentei me concentrar na importância da coexistência pacífica entre os povos. Estamos enfrentando momentos de crise no nosso planeta inteiro. Eu não penso muito sobre aliens ou sobre monstros, mas reflito muito sobre dificuldades financeiras. E as dificuldades do mundo hoje estão produzindo violência e segregação. Não encaro Yocho como um tratado político. Mas ele flerta com o terror e o gênero é, em si, um catalisador de metáforas sobre a nossa incapacidade de lidar com o que vem de longe e não parece conosco. Conviver... conviver bem... esse é o verbo que pode fazer a diferença.

O que existe de mais original na abordagem que o senhor buscar dar ao terror dentro do Japão?
Enxergo originalidade em mim. Enxergo só respeito à tradição. Se eu fosse te responder de modo mais sucinto, diria: eu filmo terror à japonesa. Busco o que de melhor o cinema americano nos deu e misturo com a cartilha que se criou em meu país. O diferencial seria um apreço especial pela normalidade. Quanto mais o seu universo de ação for cotidiano, com gente comum, sem ninguém extraordinário, mais você ressalta o assombro. Na normalidade aparente, até o silêncio assusta. Um ruído então...

Seu cinema raramente se apoia em efeitos especiais ou maquiagens sofisticadas. O quanto isso é determinado por questões orçamentárias?
Eu filmo barato, por isso filmo muito. Mas a questão não vai pelo orçamento não. Tive pouca verba pra rodar Yocho, mas eu me viro com o que tem. A questão com efeitos visuais é um conceito de linguagem: o medo vem da montagem. É na edição que você cria um susto. Na edição e no som. Para isso, eu preciso de um bom microfone e uma ilha de montagem padrão. Nos cortes, eu trabalho o suspense. O que importa num filme de terror não é o monstro, mas as pessoas que fogem dele. A jornada está na vítima, em como as pessoas lutam para sobreviver. E, nisso, basta ser realista: a pessoa que foge de um ET usa o que tem à mão, nem que seja a retórica para defender uma convivência pacífica possível. O segredo de trabalhar como eu faço está na realidade japonesa do cinema. Lá, dezenas de bons atores de TV demonstram interesse em trabalhar em filmes de gênero cujo roteiro seja original. Se eu tiver bons atores, eu enceno a normalidade.

O que o senhor conhece da nova safra brasileira de filmes de terror e o que daria como conselho a quem quer investir no gênero na América do Sul?
Use cenários reais, ao alcance de suas possibilidades. Cace atores dispostos a filmar por cachês módicos pelo prazer de trabalhar num registro dramático que tem uma legião de fãs assegurada. Estude montagem e som.

 

Outras Bossas da Berlinale

Tem um espaço só pra crianças no Festival de Berlim, a mostra Geração, que veio bombada de animações este ano. Entre todos os desenhos e filmes em stop motion para o público infantil, houve uma produção que virou não apenas a queridinha dos baixinhos, como também se tornou uma sensação entre os distribuidores gringos aqui de passagem em busca de potenciais sucessos. Trata-se de Gordon & Paddy, aventura que pega carona no fenômeno literário da ficção policial escandinava.

Neste divertido longa da Suécia, a diretora Linda Hambäck brinca com os cânones regionais do gênero numa trama sobre um sapo delegado (dublado por Stelan Skarsgärd, de Thor). Cansado de viver para a Lei, ele tenta transformar uma ratinha em sua substituta, ao largo da investigação de um sumiço de jovens animais

Nas mostras paralelas à competição pelo Urso de Ouro, um filme latino-americano vem conquistando multidões: La Omisión. Um dos realizadores argentinos convocados para Berlim este ano, Sebastián Schjaer, narra aqui os conflitos de uma jovem de Buenos Aires que vai tentar a sorte nos confins mais gelados de seu país e lá descobre uma nova chance para amar.

O longa está na seção Panorama, que emplacou uma das maiores sensações deste festival: Yardie, o trabalho de estreia do ator Idris Elba (A Torre Negra) como diretor, explorando a cruzada de vingança de um jovem jamaicano no submundo de Londres. Idris virá amanhã a Berlim para conversar sobre sua experiência como cineasta e sobre a visível inspiração de Cidade de Deus (2002) em sua estética.

Nesta quinta (22), outro galã promete causar rebuliço por aqui: o mexicano Gael García Bernal (Babel) vem falar sobre Museu, concorrente de seu país ao Urso dourado, cuja trama é centrada em um famoso crime por lá. A Berlinale termina neste sábado.

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