Filmes

Entrevista

Zama | “A abundância de filmes atrapalha a reflexão”, diz Lucrecia Martel

Aclamada cineasta argentina volta às telas nesta quinta (29) com filme sobre corrupção

29.03.2018, às 12H35.
Atualizada em 30.03.2018, ÀS 06H00

Em visita ao Brasil para o lançamento de seu novo filme, Lucrecia Martel, uma das mais consagradas cineastas argentinas, confirma conexões diretas entre a institucionalização da corrupção nas colônias da América do Sul do século XVIII – tema de seu aclamado Zama – e as crises econômicas do continente hoje.

Lançado em sessão especial no Festival de Veneza de 2017, a produção reforça a busca estética da diretora, famosa por histórias baseadas em submissões e em contenções como O Pântano e A Menina Santa. É o primeiro longa-metragem dela após um hiato iniciado em 2008, quando lançou A Mulher Sem Cabeça.

Na nova produção, o mexicano Daniel Giménez Cacho assume o papel do título. Zama é um inspetor da Coroa da Espanha que fiscaliza irregularidades no território colonial numa zona equivalente a Asunción. A presença de um temido bandido nas redondezas levará o personagem à ação. Os brasileiros Matheus Nachtergaele e Mariana Nunes integram o elenco do longa-metragem, coproduzido por Vânia Catani (O Palhaço). As belas imagens são frutos da química perfeita entre Lucrecia e o português Rui Poças, um dos maiores fotógrafos da Europa na atualidade.

Na entrevista a seguir, ela explica ao Omelete as tensões morais que buscou retratar para falar da formação da cultura hispano-americana.

Omelete: Quem é Zama e o que ele representa em relação à gênese colonial das Américas?
Lucrecia Martel: Ele é o mal que cerca a diligência das elites de subverter as necessidades de seu povo em prol de interesses pessoais. Ele é aquele funcionário que se deixa empoderar por pequenos poderes. Tentei, a partir dele, fazer um filme sobre o passado que conversa de modo direto com o presente. Eu costumava falar em classes sociais e suas diferenças, mas percebi que, hoje, o conceito político mais adequado à divisão da sociedade seria casta, dado ao processo de concentração de renda que vemos no processo capitalista.

Quando Vicuña Porto, o dito bandido das colônias aparece, Zama precisa caçá-lo, como se fosse um herói. Qual é o heroísmo dele?
Chamaria ele de anti-herói, pois ele toma decisões equivocadas em relação ao bem da colônia, refém de sua insegurança. E é esse um dos pontos que tento discutir em função da corrupção. O princípio de nossa insegurança, nas Américas, é a má distribuição de renda. Construímos mitos de banditismo, como Vicuña, para dissimular injustiças.

Qual é a maior injustiça histórica da colonização argentina?
O triunfo de nossa colonização foi a construção de um mundo que existe para sustentar uma elite que está fora dele, nas metrópoles. Nossa aristocracia colonial se fez pelo interesse na Europa e não nas necessidades do continente. E ainda é assim. Mas as culpas de nossos males não podem ser imputadas apenas aos colonizadores. Muita coisa piorou em nossos processos de independência, quando foi institucionalizada a exclusão dos índios, dos negros, dos povos bestializados pela escravidão.

Foram quase dez anos entre A Mulher Sem Cabeça e Zama. Por que você demorou tanto fora das telas?
Zama é um filme mais complexo em relação a meus longas anteriores, o que exige mais tempo de trabalho. E eu não trabalho com pressa, pois não preocupo em desfrutar dos benefícios de ter filmes novos toda hora, para poder estar sempre em festivais. Prefiro esperar ter uma ideia que me apaixone e que essa paixão me leve a filmar. Já tem filme demais por aí. A abundância atrapalha a reflexão.

É difícil traçar conexões claras entre seus filmes e a obra de diretores argentinos que foram revelados na mesma época que você, entre os anos 1990 e 2000. Que lugar você ocupa na conjuntura audiovisual da Argentina?
Sinto muita alegria de pertencer ao cinema argentino, pois existe diversidade nele. Temos filmes de denúncia, temos filmes de uma burguesia branca que considera sua própria depressão a coisa mais importante do mundo, temos experimentações formais. É um colorido interessante no continente.

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