Quando foi convidado para trabalhar na produção musical de Glee, Adam Anders não acreditava no projeto: “A América ainda não está pronta para um musical”, disse ele. Ryan Murphy tinha algumas ideias a respeito de como queria que a parte musical fosse desenvolvida, mas tudo começou com o pé errado quando não puderam usar "Viva La Vida", do Coldplay, no episódio piloto: “Eles disseram não, então sugeri que usássemos "Don’t Stop Believing". O Journey disse não também, então fizemos a versão mesmo assim e mostramos para eles e esse foi o começo da mágica”, contou o produtor no painel promovido pelo Rio2C, no Rio de Janeiro.
Anos depois do final de Glee (e de ter passado por outras séries como American Horror Story e Grey’s Anatomy), Adam está lançando uma produção da Nickelodeon chamada Kally’s Mashup, que tem um pouco de suas experiências pessoais como ponto de partida: “Obviamente não fui uma garota de 13 anos, mas o conflito entre o pop e o clássico vivido por Kally (ela tem formação clássica e secretamente fantasia ser uma artista pop) é algo que me aproxima muito dela”. A série conta a história da menina Kally (Maia Reffico), que se muda para uma cidade nova e enfrenta também o desafio de estudar piano no famoso Conservatório Allegro. As regras são rígidas e ela ainda precisa aprender a lidar com pai, com quem vai morar a partir de então. Guiada pela música clássica, mas apaixonada pelo pop, Kally acaba “criando” um novo estilo que une esses dois gêneros musicais tão distintos.
No show, uma série de mashups entre clássico e pop ornamentarão a vida da protagonista e Anders credita essa cultura de canções misturadas ao criador de Glee: “Ryan me disse que começaríamos com duas músicas por episódio, depois chegamos a 12, era insano. Ele queria dizer coisas com as músicas e aparecia com duas que diziam parcialmente, cada uma, o que ele queria. Então, ele me pedia que as misturasse”.
O trabalho de Anders em Glee, no especial ao vivo The Passion (da Fox) e em alguns longas, tornaram sua reputação junto ao cenário musical muito respeitada. Isso favorecia que os artistas liberassem as canções para que fossem transformadas por ele: “Às vezes um artista dizia não e fazíamos a música mesmo assim. Foi o que aconteceu com Adele. Ela não aceitou liberar duas canções para fazermos um mashup, na terceira temporada. Fizemos a música e mandamos para ela. Ela enlouqueceu e começou a divulgar no twitter que o público precisava ver o episódio. Esse acabou sendo meu trabalho favorito na série”.
Segundo Anders, o trabalho em Glee o fez acostumar-se a ter muita liberdade, já que tudo era decidido entre ele e Ryan: “Havia discordâncias, claro. Eu quis fazer uma canção e mandei para ele já produzida. Ele detestou, mandou que eu refizesse e eu me recusei, fui um pouco irônico no email de resposta. Na semana seguinte ele me encontrou e estava super zangado com o jeito que respondi, mas topou que a canção fosse pro ar. Ela foi para o primeiro lugar no iTunes mais rápido que qualquer outra canção que fizemos. Ele me mandou uma mensagem perguntando como eu sabia que daria certo e disse a ele que meu trabalho dependia sempre da confiança dele em mim”.
Gleeks
Na nossa conversa exclusiva, Anders falou mais um pouco de sua experiência a frente da produção musical de Glee: Num mundo perfeito nós teríamos as canções todas no papel, mas não poderia ser assim. Para cada música precisávamos de um plano B e de um plano C. Muitas vezes eu precisava saber do Ryan o que a música queria transmitir antes de receber o roteiro, porque ele ainda estava sendo escrito. Era um caos. Um caos controlado, eu diria”.
Anders também respondeu algumas perguntas sobre suas preferências durante seu trabalho em Glee e a primeira resposta foi sobre qual era a canção produzida por ele que mais o deixava desconfortável até hoje: “Gold Digger, porque Kanye é meu vizinho e ele não sabe o que eu fiz com a música”. Já sobre uma canção que não foi feita na série e que ele queria muito ter feito (Viva La Vida, do Coldplay): “Não fizemos no piloto e mesmo tendo feito outras canções da banda mais tarde, Viva La Vida nunca mais se encaixou”.
Uma das grandes expectativas dos fãs de Glee sempre foi imaginar como seriam as novas versões de grandes hits do momento. Anders escolheu um hit atual que gostaria de fazer caso a série ainda estivesse no ar: “Shape of You, do Ed Sheeran. Provavelmente os Warbles que cantariam essa”. Curiosamente, ao ser desafiado a mostrar qual era a primeira música na biblioteca do telefone, ele também respondeu com algo de Sheeran: “A-Team. Mas, também tenho tentado ouvir mais clássicos, porque Kally’s Mashup é sobre isso e eu preciso conhecer mais exemplos para a série”.
O reality show The Glee Project, que encontrava talentos para a série, também virou assunto quando Anders explicou que não aceitou o convite para ser jurado no programa porque não havia tempo, mas que sua mulher, Nikki, assumiu esse papel e acabou se tornando bastante popular: “Cada música que você ouviu Lea Michele cantar na série foi cantada antes por Nikki”. Ele também relembrou a canção que eles produziram quando ainda namoravam, para Dawson’s Creek, que completa 20 anos esse ano: “Ela ainda usava o nome de solteira e nos casamos logo depois. Estamos juntos desde então, 18 anos”. Adam terminou a entrevista autografando um CD da série e escreveu na dedicatória: “Don’t Stop Believing”. Mais cedo, ele havia brincado: “Também fiz Don’t Stop Believing em Rock of Ages e em Glee tínhamos umas cinco versões. Agora quando assino um contrato eu digo: faço a música que você quiser, menos Don’t Stop Believing”.
Kelly’s Mashup, criada por Adam, está em exibição na Nickelodeon desde 5 de março.
