Quando a Netflix anunciou que a quarta temporada de Unbreakable Kimmy Schmidt seria sua última, os fãs da série passaram por dois estágios. O primeiro foi o sofrimento pelo encerramento de uma das melhores - e mais subestimadas - comédias contemporâneas; o segundo foi a ansiedade por um último ano arrebatador. Pela primeira remessa de episódios, Tina Fey e Robert Carlock, criadores do programa, se preocuparam mais conservar a essência da atração do que apostar em potenciais excessos que tirassem a trama dos trilhos. Contemporânea como nunca, a série segue conversando com eventos midiáticos que ocupam os tablóides enquanto narra a divertida jornada de amadurecimento da personagem-título.
Kimmy já passou por muita coisa desde que foi resgatada do bunker onde era mantida desde a adolescência com outras três prisioneiras: a jovem foi para Nova York tentar começar a vida do zero após o trauma, conseguiu entrar na faculdade, foi babá de uma adolescente, quase virou guarda de trânsito e, finalmente, arrumou um emprego na start-up de tecnologia de Zack (Noah Robbins). É nesse ponto da vida que retomamos contato com a protagonista, cada vez mais próximo de conseguir ter uma vida normal, ainda que sem perder suas excentricidades cotidianas. Observando esse lado, é bastante razoável que a saga de Kimmy esteja de fato prestes a acabar, já que temporada a temporada ela foi superando o que justificava a série.
Ainda que tente não alardear o fim da atração fazendo uma temporada com cara de despedida, a primeira parte do quarto ano faz algumas homenagens aos nomes que tiveram algum tipo de importância ao longo da trajetória de Kimmy. Para a remessa final de episódios, a série traz participações como a de Mike Britt, reprisando brevemente a testemunha do ataque ao bunker cuja entrevista remixada é utilizada como tema da série. Além dele, Dylan Gelula volta como Xan, a ex-enteada de Jacqueline e ex-colega de faculdade de Kimmy; Jon Hamm como o bizarro reverendo Richard Wayne Gary Wayne; e até um inesperado retorno de uma figura importante para Kimmy que simboliza, de certo modo, o amadurecimento da personagem até o atual ponto.
As piadas continuam afiadíssimas, em especial quando saem da boca dos ótimos Titus Andromedon (Tituss Burgess) e Jacqueline White (Jane Krakowski), dupla cada vez mais sincronizada. Há, como era de se esperar, muitas sacadas divertidas usando como base todo o catálogo de cultura pop disponível, mas, dessa vez, as piadas mais expressivas dizem respeito à conjuntura política dos EUA. Somente uma série que consegue fazer humor de forma saudável sobre o sequestro de quatro mulheres é capaz de dar o tom certo para um episódio que ri o tempo todo de Kimmy sendo acusada pelos seus colegas de assédio sexual ou de homens choramingando pelos avanços na igualdade de gênero - referências a Donald Trump ou Harvey Weinstein, é claro, são inevitáveis.
Ainda que passeie por pequenas tramas mais independentes, como a de Titus tentando emplacar um piloto de série ao lado de Greg Kinnear - que vive ele mesmo na atração - ou do documentário misógino feito por um DJ pouco inteligente na intenção de transformar Richard Wayne Gary Wayne em alguém que foi injustiçado pelas mulheres que aprisionou no bunker, fica claro que há uma trama obscura ocorrendo paralelamente e que deverá se revelar completamente na metade final da temporada. Seja como for, mesmo fingindo que não é uma despedida, essa primeira remessa de episódios é o suficiente para deixar já um gosto de saudade no público - é difícil imaginar outra série que, ao mesmo tempo que transborda acidez, seja capaz de entreguar uma comédia tão deliciosa.
As três primeiras temporadas e a metade da quarta já estão disponíveis na Netflix. A segunda leva de episódios ainda não tem previsão de estreia e a série pode ser finalizado por um filme - saiba mais.
