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Crítica

Scream Queens | Crítica

Nova série de horror de Ryan Murphy homenageia os "slasher movies" e usa o absurdo para tirar um retrato cruel da juventude norte-americana

28.12.2015, às 09H58.

Em 1978, o assassino Michael Myers fugia de um sanatório de volta para sua cidade natal, onde começou uma perseguição pela babá Laurie Strode, vivida por Jamie Lee Curtis, dando origem a uma das mais longevas franquias do cinema de horror: Halloween. 37 anos depois, a "rainha do grito" estrela outra produção de horror que também se originou não de uma franquia de filmes, mas da mente de um dos maiores showrunners da atualidade. Dessa vez, porém, o protagonista dessa história não é o medo, mas sim o absurdo.

Scream Queens, criada por Ryan Murphy, Brad Falchuk e Ian Brennan, estreou em setembro desse ano nos EUA e veio com a missão de manter a parceria de Muprhy com a Fox que os seis anos de Glee chegaram ao fim. Embora o novo projeto não visasse a permanência do gênero musical como base criativa, a série foi criada para abraçar os três pilares da engrenagem dramatúrgica desse trio de roteiristas: o horror (ressuscitado por dois deles em sua forma principal com American Horror Story), o texto insano voltado para o público jovem (estabelecido em Glee) e a constante referência pop (presente em todos os trabalhos).

Era praticamente impossível dar errado... A série foi concebida e divulgada como uma antologia, o que já significava menos preocupação com tempo e mais com ação. O elenco foi formado por um time imensamente ligado ao imaginário adolescente e à música pop. Ariana Grande e Nick Jonas eram garantia certa de que uma legião de fãs os seguiria até a série. Além deles, Lea Michele foi reaproveitada após o final de Glee e Emma Roberts foi remanejada de AHS para protagonizar o programa. Abigail Breslin (Little Miss Sunshine) compôs o time de nomes conhecidos do cinema e o charme da participação de Jamie Lee Curtis faziam de Scream Queens uma série totalmente protegida da possibilidade de um fracasso - mas não foi bem assim.

Rainhas do Grito

A série se passa no campus da faculdade de Wallace, onde a fraternidade Kappa Kappa Tau começa a ser atormentada pelas mortes de seus membros. É uma premissa simples que esconde uma imensidão de detalhes. Tomando como ponto de partida os slasher movies, o roteiro da série demonstrou logo no piloto que se Glee ainda se comprometia um pouco com a "realidade", Scream Queens mandaria a verossimilhança para as cucuias e traçaria seu paralelo com a vida de uma forma absurda e transgressora.

A Kappa Kappa Tau é presidida por Chanel Oberlin (Emma Roberts), que se autoexplica como uma herdeira podre de rica que sabe o quer e sabe que pode comprar. Para se ter uma ideia, Chanel só veste estilistas famosos e como acha absurdo que as pessoas usem roupas de coleções passadas, prefere queimar todas (já que não as usará novamente). Ela deveria ser a voz de todas as meninas da casa, mas prefere tratá-las como lacaias, obrigando-as, inclusive, a não usarem os próprios nomes. Cada uma delas é uma Chanel, só que numerada: Chanel Número Um, Chanel Número Dois, Número Três e por aí vai. Esse é o tipo de maximização de superficialidade típicas do texto de Murphy, que mantém o exagero e o absurdo como ingredientes predominantes da dramaturgia de Scream Queens, aproveitando-se disso para gritar suas intenções. Essa não é uma obra de sutilezas.

Já no piloto, o assassino oficial da trama (travestido com uma roupa de demônio vermelho) mata uma das personagens de modo emblemático: eles travam aquele diálogo típico desse tipo de sequência (com gritos e pedidos pela vida) todo por mensagens de texto. Ao ser esfaqueada, a personagem, ainda agonizante, prefere não ligar para o socorro e sim postar no Twitter que está sendo assassinada. É o recado derradeiro dos criadores, antecipando uma trama que não terá compromissos com a "verdade" dos fatos, ainda que estejam, com isso, sublinhando verdades comportamentais que quase sempre estão escondidas no cotidiano.

O fantasma da guerra de popularidades dentro do colegial, visto em Glee, assombra o texto novamente, só que agora graduado. Murphy logo providencia que, por causa dos assassinatos, a reitora da faculdade promova uma ideia de diversidade, que faz com que qualquer uma possa se candidatar à fraternidade. Isso traz um time de perdedoras para o centro da trama que, liderados por uma Lea Michele inspiradíssima (e usando um colar cervical), abrem a temporada de piadas mordazes sobre como na sociedade americana só há importância no que pensam de você e não no que você realmente é.

Esse humor provocativo permeia toda a produção. Não demora para que fique claro que, embora haja uma engenhosa história por trás dos crimes, cada episódio é uma ferramenta para que Murphy e seus pupilos falem sobre tudo que está vigente na rotina do jovem americano; e falem usando as cores mais fortes da história da televisão. Chega um ponto em que o escracho é tão forte e as mazelas, preconceitos e superficialidades são expostos de forma tão voraz, que inevitavelmente um mecanismo de defesa é acionado e daí podemos começar a entender porque Scream Queens começou a derrapar na audiência.

The Final Girl (s)

Essa transgressão continuou por todo o ano, com o gênero do horror sendo respeitado, mas sofrendo várias pequenas alterações. Enquanto a série tomou decisões charmosas, como o fato de em cada episódio o assassino usar uma arma diferente, acabou pecando em complicar demais a dinâmica de suspeitas e a forma como a história dos crimes foi sendo esclarecida. Os slasher movies são produões de estrutura muito simples, que até foram transgredidos por Kevin Williamson em Pânico, mas que dependem de certo apuro para serem corretamente referenciados. Scream Queens acertou em cheio na revelação do criminoso e na questão sobre quem seria a Final Girl (sobrevivente feminina clássica desse tipo de filme), mas errou no próprio senso de autopreservação. Uma das regras mais importantes dessas produções é: quase ninguém sobrevive.

Porém, não é só uma questão ideológica, claro. Existe uma espécie de melodia-base no texto do trio de criadores que é muito característica. Também existe um desapego grande a verossimilhança. Para eles vale tudo na hora de levar um personagem a extremos inimagináveis, desde que ele sirva ao propósito da risada. Esse é um argumento válido para aqueles que não curtiram a série, ainda que mesmo ele tenha sua justificativa. Um exemplo disso é que, lá pela metade da temporada, as pessoas começaram a questionar porquê as alunas sobreviventes continuavam sem receber nem mesmo uma visita dos pais no meio de tantos assassinatos. No episódio do Dia de Ação de Graças, a pergunta foi respondida com as famílias das Chanels sendo retratadas como verdadeiros covis de desamor.

Toda essa crítica é feita com doses cavalares de absurdo, expondo situações que dificilmente aconteceriam na vida real daquela maneira, sem verniz. De fato, a coisa toda ganha proporções sem limites porque essa é a perspectiva escolhida como estilo, o que não significa que o que ela está dizendo por baixo de toda insanidade não seja verdade. O problema é que a teledramaturgia bem sucedida é feita de "meios", de "médios", de "equilíbrios". Geralmente extremos são raros e podem caminhar entre o fracasso e a genialidade. Se há comédias como Transparent, que estão num extremo sussurrado, há comédias como Scream Queens, que berram o mais alto que podem. Uma considerada genial e a outra um surpreendente fracasso.

As questões acerca de uma segunda temporada são muito nebulosas. Primeiro falou-se em antologia, depois Murphy declarou que quatro personagens sobreviveriam e voltariam para um novo cenário de crimes. Depois do episódio final, onde muitas diferenças do que foi prometido foram vistas, a escuridão aumentou ainda mais. Se houver uma renovação, não será pensando em audiência, mas sim no quanto Ryan Murphy conseguiu novamente o que muitos showrunners atravessam a vida sem conseguir: criar um ícone de cultura pop que, apesar de banhado de referências, tem a sua própria voz e sua própria mitologia.

Nota do Crítico
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